. ABORTO - Referendo - Interrupção voluntária até às 10 semanas por opção da mulher
FILOSOFIA:
Introduzo a questão que paira sobre a tentativa em se estabelecer uma vizinhança que abarque a definição de existência como pessoa ou ser humano, atribuível ao embrião ou feto. Ou seja, a partir de que etapa da sua gestação in utero o ser humano passa a ser definido como tal.
Porque se é feita a interrupção voluntária a uma gravidez, implicativa da eliminação de um ser que se gera, inequivocamente em modo geral não será essa decisão equivalente a um estado de prazer ou euforia, mas sim resultado duma decisão sobre uma circunstancial força maior; se o é gratuitamente, é em ínfima percentagem e a consciência sobre o processo estará turva ou alienada ou ignorante ou precária de condições.
À formulação ou análise sobre tal posição, caberia o multi-apoio pedagógico, instrutivo e de acompanhamento, entre a mulher, o parceiro ou família e o especialista institucional das áreas, psicológica ou médica, cabendo a decisão final ou aos dois gestores da gravidez ou à mulher. Considero tais questões, pilares intrínsecos ao referendo , os centros gravitacionais de toda a polémica.
Tendenciosa para o abstracto, desperta vários pontos tangentes que derivam para aproximações a uma resposta já desde si incompleta e inconclusiva:
- a definição de conclusão alusiva à formação do organismo, desde o embrião ao feto (em sua fase de desenvolvimento);
- a diferenciação entre organismo e órgão (durante certo tempo da gestação, a placenta e o saco amniótico serão órgãos extrínsecos do embrião, indissociáveis do mesmo);
- o conceito de dor ou sentir (quando está concluído o sistema nervoso do embrião ou feto, tornando complexas as sensações sobre o meio uterino, dor, prazer, etc)
- o conceito que faça distinguir o feto humano dos outros fetos animais, a expressividade do feto perante o meio que o rodeia (quando ganha o embrião características antropomórficas, expressão facial, gestual, etc).
Refiro os absolutismos que já a priori estão limitados pela não sustentação prática de possibilidade de concretização. Paradoxos: O Homem e o meio - interacção:
O absolutismo na preservação da vida em todo o seu sentido, intencionalmente ou casualmente:
• Diariamente, milhões de microrganismos são mortos casualmente ou organicamente por cada organismo individual.
• Diariamente o Humano consome milhões de toneladas de seres vivos, vegetais ou animais.
• Diariamente, milhares de mulheres rejeitam organicamente embriões ou fetos provocando abortos espontâneos.
O absolutismo da atribuição do significado vida passiva de ser preservada, ao espermatozóide e ao óvulo:
• Diariamente morrem milhões de espermatozóides em renovação de esperma por cada indivíduo do sexo masculino.
• Diariamente são expelidos milhões de óvulos não fertilizados por indivíduos do sexo feminino.
O absolutismo da não interrupção humana sobre o decorrer da gravidez:
• Diariamente mulheres morrem por não terem abortado em condições seguras e adequadas.
. Diariamente mulheres morrem por problemas consequentes a abortos efectuados clandestinamente.
. Milhares de mulheres se tivessem sido aconselhadas, instruídas e acompanhadas, não teriam abortado.
• Diariamente médicos provocam abortos casuais em consultas, sem que os próprios e as pacientes soubessem decorrer gravidez.
REFERENDO: LEI ORGÂNICA
Por Decreto-lei, um referendo é apresentado sob forma de pergunta simples, sem dados tendenciosos, implicativo de resposta positiva ou negativa. A informação complementar que permita uma maior formulação para discernimento de decisão, deverá constar em campanhas democraticamente estabelecidas por partidos ou cidadãos que se proponham a tal iniciativa.
Lei Orgânica do Regime do Referendo: Lei 15-A/98 - 3 Abril
Artigo 7º
Formulação
1 - Nenhum referendo pode comportar mais de três perguntas.
2- As perguntas são formuladas com objectividade, clareza e precisão e para respostas de sim ou não, sem
sugerirem, directa ou indirectamente, o sentido das respostas.
3 - As perguntas não podem ser precedidas de quaisquer considerandos, preâmbulos ou notas
explicativas.
Seja a forma actual da questão essencial ao referendo a transposição para pergunta de resposta binária de Sim ou de Não a actual vigente, friso que, para que um consenso decisivo individual não seja incendiado em posições extremistas a qualquer uma das duas hipóteses, são necessárias impreterivelmente a fatia do conhecimento, a fatia da auto-análise e a fatia dos meios, fatias que factualmente o português não possui.
Pergunto então se a forma como está construída a lei orgânica da estrutura de um referendo e não a formulação da pergunta implicante de duas respostas opostas, seja a própria indução ao extremismo. E esta consideração porquê? :
3 - As perguntas não podem ser precedidas de quaisquer considerandos, preâmbulos ou notas
explicativas.
- Não existindo extenso ou notas explicativas sobre conceitos complementares à decisão de voto, o único ponto de esclarecimentos à matéria do referendo, pondo de parte o auto-esclarecimento e a educação, está canalizado e restrito às campanhas efectuadas por partidos políticos e iniciativas de cidadãos. Ora se a intenção em não colocar quaisquer preâmbulos ou notas precedentes às perguntas tenha por objectivo não tornar as mesmas influenciáveis na decisão do cidadão que irá votar em referendo, que se possa dizer sobre as campanhas políticas que não precederam as perguntas em escrito com quaisquer preâmbulos ou notas precedentes mas em prévio já predispuseram "as mentalidades" do português? Surge uma incongruência. O Estado ou está a transmitir que não se responsabiliza por induções externas, ou não quer assumir uma eventual assunção. A seguir:
Artigo 39º
Objectivos e iniciativa
1 - A campanha para o referendo consiste na justificação e no esclarecimento das questões submetidas a
referendo e na promoção das correspondentes opções, com respeito pelas regras do Estado de direito
democrático.
2 - A campanha é levada a efeito pelos partidos políticos legalmente constituídos ou por coligações de
partidos políticos que declarem pretender participar no esclarecimento das questões submetidas a
referendo, directamente ou através de grupos de cidadãos ou de entidades por si indicadas, devidamente
identificados, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 19º.
3 - Na campanha podem igualmente intervir grupos de cidadãos eleitores, nos termos da presente lei.
- Sendo de louvar os partidos políticos e os cidadãos que tomaram iniciativas de esclarecimento, esse esclarecimento nunca ou em raras excepções é imparcial, implicando a que o cidadão decida, impelido ou pelo argumento mais bem arquitectado ou mais garrido, ou mais chocante, ou mais qualquer coisa, determinando o menos possível individualmente a sua decisão. Porque já está condicionado por guerrilhas partidárias e religiosas consequentes de guerrilhas sociais.
Acrescento dois conceitos complementares da antiga Grécia – Os sofistas e os socratianos. Os sofistas esmeravam-se pela estética da retórica, pela forma da retórica, independentemente do teor da palavra e do diálogo; os socratianos esmeravam-se pelo conteúdo da palavra e do diálogo, utilizando a retórica como ferramenta para tal fim.
Como decidir qual a informação relevante “sem influência” como matéria de apoio à decisão individual?
Mas se é impossível à informação despegar-se da influência, não seria considerada de informação se assim não fosse a de "dar forma", influente!
O que se quer então aludir quando são referidas influências? Os Lóbis políticos, lóbis religiosos, dogmas, camisas, equipas, fusões entre posição e entidades religiosas ou políticas, o que precisamente um estado democrático não pretende.
Qual seria a forma imparcial de levar ao cidadão as informações necessárias para uma tomada de decisão, sim binária mas esclarecida, o mais intrinsecamente individualmente possível?
Muito simples. Esmerando-se a educação e o conhecimento e a aliança entre percurso de carreiras e percurso de remuneração: poder-se-ia gastar dinheiro em prospectos elucidativos esclarecedores dos campos legislativo, biológico, sexual, inerentes ao presente referendo. Criar-se um separatismo entre governo e religião, mesmo não estando numa teocracia assumida, mas numa democracia cristã.
Em utopia diria: Vão de encontro ao cidadão pelo menos 10% como a publicidade ou os média chegam, e sejam 10% neutros proporcionalmente à publicidade e aos media não serem; Pelos meios que quiserem! Mais, dêem espaço, tempo e oxigénio à aprendizagem, apartidária e ecuménica do espírito auto-analítico!
A resposta pragmática preto ou branco à pergunta do referendo, transporta-se para o irracional quando encarada como se de duas frentes se tratasse, impelindo pela indução a que o cidadão atribua um veredicto, encarnando o papel dum juiz do supremo tribunal, sendo sim ou não a favor do aborto, vestindo a camisa do paladino ou a camisa do criminoso. Continua-se com dois sulcos lavrados profundamente e uma agulha de gira-discos tende a percorrer um deles, tal como a forma da resposta se torna indissociável a uma mentalidade.
A questão ganha estes contornos quando a informação periférica é radiada com conotações políticas (lobby), religiosas, fundamentalistas, e não tão pouco, por uma forma sub-reptícia duma base elitista de classes económicas que está desencontrada, comodamente alienada e míope com abrangente empirismo social, quando as questões economico-social e sociológica são as chaves e ponto central de viragem sobre toda a perspectiva do referendo.
Considero a crassa ignorância como peso chumbo nesta questão, por um lado pelo dogma omnipresente da religião, pelo comodismo do confortável e pelo lado da ignorância e temores do comum.
REFERENDO: CONCEITO
O que é um referendo? Porquê a importância enorme dum referendo?
Referendo é um instrumento de democracia directa por meio do qual os cidadãos eleitores são chamados a pronunciar-se por sufrágio directo e secreto, a título vinculativo, sobre determinados assuntos de relevante interesse nacional. Em Portugal ocorre mediante proposta da Assembleia da República, ou do Governo, ao Presidente da República que decida concretizar a sua realização. O cidadão pode propor um referendo recolhendo 75 000 assinaturas
Que quer dizer a existência dum referendo?
Que estamos num sistema democrático, onde o cidadão recenseado e eleitorado pode interagir directamente contribuindo para uma decisão governamental que se tornará Decreto-lei ou lei vigente. Portanto é relevada a decisão individual e a opinião, e como tal a decisão governamental não é imposta ao contrário dum sistema político déspota.
Vamos à pergunta do referendo:
REFERENDO: QUESTÃO
Se bem que a questão fulcral neste referendo não seja o estar-se SIM ou NÃO em defesa da eliminação de seres embriónicos indefesos, da matança desenfreada sádica e macabra de pré-bebés da nossa espécie, do egoísmo febril da mulher que negligencia por conforto egoísta e mesquinho: o estar-se ou a favor ou contra essa corda que cada vez mais se estica entre classes sociais, desfavorecendo as mais baixas pela ignorância, pelo não alcance do poder de compra, pela dificuldade do acesso à educação, pela desproporção do acesso à saúde e falta de meios; o estar-se a favor ou contra a marginalização da interrupção voluntária da gravidez por decisão individual ou conjunta pedagogicamente acompanhada provocada até à data de 10 semanas; o estar-se a favor ou contra a existência de meios adequados e legais, socialmente aceites, que permitam o aborto provocado até 10 semanas de gestação do embrião-feto por circunstâncias de grau maior, sejam talvez as questões postas em 2º plano pela obsessão em se pretender extrair uma resposta encarnada como determinante e sem espectro de tons, a preto e branco e a ferro rubro.
Pergunta do Referendo:
«Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se
realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento
de saúde legalmente autorizado?»
REFERENDO: QUESTÃO - Despenalização
Se se pretende despenalizar a interrupção voluntária da gravidez, tal implica que existam certos moldes legais vigentes, que penalizem uma interrupção voluntária à gravidez, ou mais correctamente: a interrupção voluntária da gravidez é punível por lei excepto específicas situações (Artigo 142º código penal português). Em síntese – penalizar é equivalente a aplicar pena, castigo. Quem os aplica? A sociedade sobre forma de sistema penal. Sociologicamente falando, a sociedade não aceita e pune a interrupção voluntária da gravidez, excepto nas específicas situações assinaladas em código penal. Despenalizar significa então não punir, não aplicar pena, aceitar socialmente mediante a interrupção voluntária de gravidez efectuada nas primeiras 10 semanas pressupondo um acompanhamento médico, psicológico e pedagógico-instrutivo. Irei de seguida para a questão da opção da mulher e para o significado das 10 semanas. Mas antes, que diz a lei então?
REFERENDO: QUESTÃO – CÓDIGO PENAL PORTUGUÊS
Código Penal Português
Livro II, Título I - Dos crimes contra as pessoas
Capítulo II - Dos crimes contra a vida intra-uterina
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ARTIGO 140º
Aborto
1 Quem, por qualquer meio e sem consentimento da mulher grávida, a fizer abortar, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2 Quem, por qualquer meio e com consentimento da mulher grávida, a fizer abortar, é punido com pena de prisão até 3 anos.
3 A mulher grávida que der consentimento ao aborto praticado por terceiro, ou que, por facto próprio ou alheio, se fizer abortar, é punida com pena de prisão até 3 anos.
Nos alíneas 2 e 3 chega-se à conclusão que toda a interrupção à gravidez voluntária é efectivamente punível socialmente e legalmente. Qualquer processo de interrupção voluntária à gravidez por outrem ou pela própria grávida não é encarado como legal, nem legítimo. Não existe portanto a atribuição de decisão própria à mulher que se decida sobre a interrupção voluntária da sua própria gravidez mediante circunstâncias de força maior. O que implica como causalidade o surgimento da aparição espectral da obscuridade, do medo, do clandestino, da recessão ao conhecimento e educação, o tabu social, a exclusão directa ou indirecta e a marginalização de classes economicamente e culturalmente carecidas pelo acesso restrito a factores relevantes à prevenção, ao conhecimento, à economia e aos meios. Não é punível em específicas condições (Artigo 142º)
ARTIGO 141º
Aborto agravado
1 Quando do aborto ou dos meios empregados resultar a morte ou uma ofensa à integridade física grave da mulher grávida, os limites da pena aplicável àquele que a fizer abortar são aumentados de um terço.
2 A agravação é igualmente aplicável ao agente que se dedicar habitualmente à prática de aborto punível nos termos dos nºs 1 ou 2 do artigo anterior ou o realizar com intenção lucrativa.
É confirmada na alínea anterior a implacabilidade em condenar a abortagem efectuada em espaços clandestinos com ou sem fins lucrativos. Em contraposição, salvo determinados casos não são tomadas medidas que combatam a necessidade à recorrência dos mesmos, que minimizassem a estatística e a necessidade ou razão de recorrer ao aborto, exceptuando a sua punição em sentido lato. Mais importante, o aborto não é considerado legal excepto no Artigo 142º. Indelevelmente estará envolto em censura ora pela própria voz da sociedade, ora pela teia social. Sabemos muito bem que obrigando e impondo uma pessoa a não partir um copo de vidro revestindo-o de dogma, mais cedo ou mais tarde esse copo parte-se e a pessoa ou fica desastrada ou fundamentalista pela protecção dos copos de vidro ou uma acérrima alérgica e anti-copos-de-vidro ou marcada com a ferida do trauma.
ARTIGO 142º
Interrupção da gravidez não punível
(*Ver Lei 90/97 Que Altera Este Artigo*)
1. Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida, quando, segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina:
a) Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida;
(A esta forma de abortagem é atribuído o nome de aborto terapêutico, para todas as ocasiões em que a gravidez esteja a pôr directamente ou possa vir a pôr em risco a vida ou a saúde psíquica ou física da mulher).
b) Se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida, e for realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez; (aborto terapêutico)
c) Houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas ecograficamente ou por outro meio mais adequado de acordo com as legis artis excepcionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo; (alínea alterada de 16 semanas)(a esta forma de abortagem é atribuído o nome de eugênico, eugenésico, profiláctico); ou
d) Houver sérios indícios de que a gravidez resultou de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual, e for realizada nas primeiras 16 semanas de gravidez (alínea alterada de 12 semanas). (atribuído o nome de aborto sentimental ou "honoris causa")
2. A verificação das circunstâncias que tornam não punível a interrupção da gravidez é certificada em atestado médico, escrito e assinado antes da intervenção por médico diferente daquele por quem, ou sob cuja direcção, a interrupção é realizada.
3. O consentimento é prestado:
a) Em documento assinado pela mulher grávida ou a seu rogo e, sempre que possível, com a antecedência mínima de 3 dias relativamente à data da intervenção; ou
b) No caso de a mulher grávida ser menor de 16 anos ou psiquicamente incapaz, respectiva e sucessivamente, conforme os casos, pelo representante legal, por ascendente ou descendente ou, na sua falta, por quaisquer parentes da linha colateral.
4. Se não for possível obter o consentimento nos termos do número anterior e a efectivação da interrupção da gravidez se revestir de urgência, o médico decide em consciência face à situação, socorrendo-se, sempre que possível, do parecer de outro ou outros médicos.
A primeira vez que li a alínea 4 interpretei-a como sendo subjectivo o consentimento do médico, independentemente dos casos assinalados no artigo 142º.
Menos mal releio-a e interpreto: surgindo um caso de requisição de abortagem que não se identifique com nenhuma das alíneas do artigo 142º, parte exclusivamente do médico decidir se a interrupção da gravidez é levada ou não avante.
E diz-me o quê isto?
SE, e friso mais uma vez, SE a decisão do médico a quem tenha sido feito o pedido de abortagem que não esteja previsto em nenhuma das alíneas do artigo 142º do código penal acaso seja a do não consentimento, imediatamente temos duas questões:
- porquê uma mulher expor-se ao constrangimento e à rejeição, requisitando um consentimento de um médico sujeitando-se ao seu critério, que já por Lei é dúbio de resposta?
- como tornar aceitável a hipótese do erro se por lei não está previsto e recai em última instância do juízo arbítrio de um ou mais médicos?
Mas o SE não é por acaso. Deparei-me na terceira revisão das alíneas inerentes à prática de aborto do código penal com uma questão que até então não havia colocado. O médico está sujeito a um código ético chamado “código deontológico”. Cito-o.
(http://www.ordemdosmedicos.pt/index.php?lop=conteudo&op=53c3bce66e43be4f209556518c2fcb54&id=621bf66ddb7c962aa0d22ac97d69b793)
ARTIGO 47.º
(Princípio Geral)
1. O Médico deve guardar respeito pela vida humana desde o seu início.
2. Constituem falta deontológica grave quer a prática do aborto quer a prática da eutanásia.
3. Não é considerado Aborto, para efeitos do presente artigo, uma terapêutica imposta pela situação
clínica da doente como único meio capaz de salvaguardar a sua vida e que possa ter como
consequência a interrupção da gravidez, devendo sujeitar-se ao disposto no artigo seguinte.
4. Não é também considerada Eutanásia, para efeitos do presente artigo, a abstenção de qualquer
terapêutica não iniciada, quando tal resulte de opção livre e consciente do doente ou do seu
representante legal, salvo o disposto no artigo 37.º, n.º 1.
Código Deontológico 13
ARTIGO 48.º
(Terapêutica que implique risco de interrupção da gravidez)
1. Quando a única forma de preservar a vida da doente implique o risco de interrupção da gravidez
nos termos do n.º 3 do Artigo antecedente, deve o Médico assistente, salvo em caso de inadiável
urgência, convocar para uma conferência dois Médicos da especialidade, sem prejuízo da consulta a
outros colegas cujo Parecer se possa considerar necessário.
2. A conferência referida no numero anterior deve traduzir-se em protocolo circunstanciado, em
quatro exemplares, do qual constem o diagnóstico, o prognóstico e as razões cientificas que os
determinam.
3. Cada um dos participantes conserva em seu poder um exemplar do protocolo, devendo o quarto
ser comunicado ao doente, eventualmente expugnado do diagnóstico e do prognóstico, de acordo
com o disposto no Art.º 40.º
4. A doente, ou em caso de impossibilidade o seu representante legal, ou um seu familiar ou
acompanhante na falta ou ausência daqueles, devem dar o seu consentimento por escrito, mediante
declaração que fica em poder do Médico assistente.
5. O direito do doente ou de quem por ele se pronuncie, e do Médico, a recusar a terapêutica, deve
ser respeitado, devendo este, no caso de recusa própria, tomar as medidas necessárias para que
seja assegurada à doente assistência clínica conveniente.
6. Concluída a terapêutica, deve ser remetido ao Conselho Nacional de Deontologia Médica da
Ordem dos Médicos, cópia do protocolo referido no n.º 2, com a descrição da terapêutica realizada e
omissão dos elementos de identificação do doente.
O SE inflacionou-se com este novo código. A eventual hipotética da não se sabe bem se decisão afirmativa pela parte do médico sobre a interrupção da gravidez voluntária, pode ser que, talvez não, assim assim, porque mediante, reticências, fica pendente. Parto do princípio que o processo burocrático deva ser eficiente, colocando sérias dúvidas sobre o pressuposto.
Em teoria do conhecimento, temos uma rejeição vinculada à margem da possibilidade de erro, obliterando-o, ou não tão drasticamente, "camuflando-o", ou "remendando-o". Não existe espaço portanto para se "errar" (ou destoar dum dogma que não abarca outras possibilidades, talvez mais complexas e incómodas, mas reais). E busco novamente o exemplo do copo: Quanto mais se reprime o "erro", mais "ele" se repete e alastra. Quanto mais exijo que não se parta um copo, o receio, o temor, a cegueira, levam-me ou ao desastre ou à obsessão.
A não possibilidade de tomada de decisão individual ou de parceria entre os dois intervenientes directos na gravidez, consequente de uma legislação que essencialmente condena a prática de aborto, exceptuando específicas situações clínicas, implica uma inerente atribuição de irresponsabilidade e não capacidade de discernimento, tal como uma ausência de capacidade ética ou intelectual sobre o comum dos cidadãos que em procura de apoio recebe a negligencia e a culpa. A legislação ocupa-se assim dos assuntos éticos ou morais do cidadão, tornando irrelevante a decisão e as circunstâncias subjectivas adjacentes à necessidade de interromper a gravidez, fisiologicamente intrínseca aos dois elementos participantes, relevando sim a decisão de os punir.
Por estatísticas de países onde a legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez não adquire ou deixou de adquirir teores punitivos, as próprias taxas de prática de aborto diminuíram exponencialmente, tal como as taxas de mortes consequentes, as de sucesso em pós-tentativa de engravidamento e de recuperação psicológica e física. (ver o pedido e a apresentação no tribunal constitucional - pág. 4 - II)
Um fenómeno que não seja aceite socialmente adquire o teor duma exclusão social (taxas de recorrência a espaços clandestinos – mercado ilícito, utilização de meios não adequados causais de incidências danosas psíquica e fisicamente para a paciente), implica não só condições precárias de prática de aborto, como implica sintomas pós-traumáticos, precisamente porque um acto censurado pela sociedade que impossibilite a contextualização relativa sobre o problema associado, torna-se um espinho que atravessa diariamente aquele que se julga ou foi julgado de culpado pela mesma.
A culpa que ronda aquele que praticou um acto considerado de não aceitável pela sua sociedade, ganha corpo quando a mesma sociedade, em forma legal lhe aplica uma punição.
Em suma, a culpa ganhou congruência entre o meio e o indivíduo.
Se essa culpa ou punição provém do dogma, então a mentalidade social tende para uma não reflexão que em cadência distancia-se do processar para uma resolução dum problema que ao contrário de ser aceite como tal, é considerado como anti-corpo, um bode expiatório. Perpetua-se o problema e ganha contornos cada vez mais complexos.
Será uma problemática educacional, sociológica, cultural, religiosa, mental, crítica, auto-analítica, médica e psicológica, custosa, que em potência pretende equilibrar diversos pratos instáveis que regulam duas existências que se encontram no paradigma da exclusão de uma das partes, a mais indefesa e frágil, que trará inevitavelmente consequências menores ou maiores para a mulher a curto ou a longo prazo. Tal decisão é tomada em rede, objectiva ou subjectivamente, e uma reclusão ou marginalização atribuída será sempre um recalcar do agravamento do problema.
Temáticas Ideológica, ética, humana, biológica, são discussões não rematadas sobre a definição da instância ou período onde o ser em gestação é considerado de humano: quando será considerado crime ou atrocidade aos seus direitos de condição humana. Tal teor pairará como paradigma e cabe a uma resolução extremamente delicada, mas assumida, ponderar todos os factores que contextualizem o problema. Não existe portanto um padrão que defina a razão à interrupção da gravidez voluntária. Existem sim, diversas condições que proporcionam uma resolução que será comum a vários casos. E claro está, uma questão assumida e pedagógica, deveras sensível e dolorosa, Não censurante. Não vivemos numa sociedade perfeita em que todas as cambiantes relativas a este problema estejam resolvidas, que se possa dar ao luxo ou à garantia de ser inflexivelmente pragmática com um SIM ou um NÃO redondo, prepotente e arrogante, quando, entenda-se, a pergunta e questão do referendo sejam encaradas como tal. Conhecemos muitos factores que levam à necessidade de se provocar um aborto e são eles a verdadeira problemática tal como o erro faz parte de toda a construção humana. Não o emendemos com um bocado de alcatrão que tapa o buraco da estrada.
Quando a moral e a ética se impõem por dogma sem formulação de argumento ou resposta ao porquê, desabrocha o efeito inverso ao pretendido, como o afastamento ou a mecanização dos princípios que não são avaliados mas sim obedecidos instintivamente. Por outro um feroz opositor que adquire a mesma incongruência dogmática. Não menosprezando as fortes probabilidades de se gerarem estigmas no entendimento entre os dois lados que se opõem.
Outras problemáticas:
- estatística entre poder de compra e meios contraceptivos
- postura médica
- da lei à prática.
- gravidez indesejada
- gravidez por casualidade)
- gravidez com stress maternal
- gravidez por ignorância
- gravidez em mulheres de estratos sociais baixos)
BIOLOGIA:
- Aquando da fecundação, quando o espermatozóide atinge o óvulo, resulta por fusão uma célula denominada zigoto, contendo todo o ADN dos 2 sexos opostos, no caso humano o ADN dos dois pais. Esta célula irá dividir-se multiplicando-se, por processos de duplicação dos ADNs paternais.
- Concluida a divisão, aglomera-se uma “massa” de células que contém informações genéticas especificas, tanto para a formação de cada um dos órgãos que constituirão o embrião como para a formação das “partes” que irão desenvolver-se em complementos externos fulcrais para o desenvolvimento da criatura.
- Rondando o 5º dia, esta "massa" de células (blastocisto) irá alojar-se nas paredes fibrosas do útero da mulher, a fim de se metamorfosear, fragmentando-se em embrião e placenta, saco e líquido amniótico. A placenta será o meio vital de intercâmbio de nutrientes, oxigénio e hormonas, entre a mãe e o futuro embrião.
- Aos 15 dias aproximadamente surge assim o termo Embrião como o começo do desenvolvimento para um organismo individual, a gestação que originará as pinceladas primárias da nova criatura. O embrião estabelece contacto com mãe através dum princípio de cordão umbilical que irá servir de ponte para a placenta, ponto de troca de nutrientes da mãe para o embrião, e produtos de eliminação do embrião para a mãe. A placenta é propriedade extrínseca do embrião e o saco com líquido amniótico envolve-o como um escudo amortecedor permitindo-o flutuar. O sangue e as veias começam a desenvolver-se, mas o sistema circulatório está ainda na placenta.
- Pelo 28º dia (3 semanas), o embrião adquire uma delineação do sistema nervoso ainda prematuro que se apresenta como o mais avançado dos sistemas. Dois tubos esboçam um futuro coração que já palpita ainda que não seja um verdadeiro sistema circulatório.
- Ao 56º dia (8 semanas) o embrião adquire actos reflexos pelo desenvolvimento cerebral e nervoso. Formam-se os olhos, fígado, intestinos, pulmões e genitais. Os dedos adquiriem forma.
- Nas 10 semanas todas as partes do corpo estão presentes e visíveis mas ainda incompletas. O sistema nervoso responde mais aos estímulos e toda as características antropomórficas estão presentes.
- Das 10 às 12 semanas é atribuido o termo feto, especificando a conclusão de toda a estrutura orgânica e fisionómica.
- Nas 12 semanas o feto executa movimentos suaves ocasionais, ainda não perceptíveis. O batimento cardíaco é audível com instrumentalização. Os dedos já têm unhas, e uma penugem de cabelo cobre o feto.
Matéria:
Georgia Department of Human Resources - Division of Public Health
WebMd
Ivan Belchev
Wikipedia
Manual Merck
The Multi Dimensional Human Embryo
Base de pesquisa:
Wikipedia
Código Penal Português
Comissão Nacional de Eleições
STAPE
Ordem dos Médicos
Muito bem!
ResponderEliminarEmbora ainda existam partes "em bruto"...
Esta reflexão, lição e informação tendencialmente imparcial, deveria ser exibina nos canais de televisão, rádio, jornais e outros meios de comunicação que não me ocorram.
Porque perguntar a uma maioria não esclarecida o que quer que seja, terá um resultado aleatório e bem vistas as coisas, permitirá apenas demonstrar qual a força (política ou outra) que melhor vende a sua ideia e não a decisão de maior concenso.
Exactamente! Concordo em pleno com o comentário anterior. Chama-se a isso - pura demagogia política!!
ResponderEliminarEstou a dar a volta ao miolo nas partes em bruto. A informação tende para feira das vaidades e a resolução terá que ser inscrita e não incongruente. Abraço
ResponderEliminarA demagogia tende a encostar a opinião a uma resolução pragmática de exlusão ou integração num grupo social. Tende ao separatismo. Abraço
ResponderEliminarÉs um politico nato!
ResponderEliminarExtremamente inteligente e escreves maravilhosamente.
E lanças panfletos ao vento, tal como eu, quem os apanhar apanhou e alguém há de ser. Mas cumprimos a nossa missão. Certo?
Á parte tudo isto, os teus nús e todos os teus desenhos são muito bons; ou seja ainda por cima
és mesmo um excelente artista. No fundo
com o seu tempo bem preenchido.
Gosto muio de pertencer ao grupo das pessoas que conheces.
Agradecida